terça-feira, 26 de julho de 2016

Sobre descobrir que esforço é diferente de sofrimento


     Há um tempinho, num dia de meio da semana e finzinho de semestre, eu deitei na minha cama e dormi por 9 horas seguidas sem colocar o celular pra despertar ou deixar o blecaute aberto para o sol me acordar. Talvez isso seja um acontecimento até curioso pra quem conhece meu jeito agoniado, mas com certeza não deveria ser um fato que me gerasse tanta reflexão. Antes desse dia, eu tinha passado quase duas semanas sem conseguir dormir mais de 3 horas por noite. Não tinha final de semana, viagem ou doença que me fizesse parar um pouco, eu até estava ciente de que meu cansaço, na realidade, me fazia mais improdutiva, mas era meu corpo que involuntariamente não conseguia descansar, de um jeito tal que às cinco e meia de manhã eu acordava assustada e sentindo a consciência pesada, mesmo sabendo que eu só tinha ido pra cama porque às três da manhã eu estava desabada e babando em cima do computador.

     Eu não sei qual porcentagem de culpa eu devo colocar nos fatores para a situação ter se descarrilhado assim, se seria 40% disso devido à minha desorganização e talento excepcional para a arte da procrastinação, uns 20% devido à minha propensão em me sobrecarregar, outros 20% ao meu perfeccionismo, talvez 10% ao meu computador que não falha em me desapontar e 10% aos problemas de comunicação com professores e outros... O fato é que, por mais que eu tente racionalizar, não sei dizer o que gera pra mim esses momentos em que minha vida gira ao redor de alguns desenhos e apresentações de PowerPoint em um computador, mas o que eu sei é: o que faz com que eu não consiga sair desse ciclo, independentemente do cansaço extremo, é o meu gigantesco e intimidante medo de falhar e desapontar. E ele vem vestindo a roupa do temor por um futuro no qual eu não "venço" e no qual eu fico revendo na memória esses dias pensando "Por que diabos eu não virei algumas noites?", e isso torna as coisas levemente piores.

     E aí vem a nossa tia falar daquele primo que desde muito cedo nunca gostou muito de sair, passava as noites estudando, não tinha muito assunto com ninguém, e hoje está fazendo doutorado na Alemanha ou tomando banho na sua piscina de dinheiro particular. E eu também já cansei de ver esfregada na minha cara a história da blogueira - só um mês mais nova que eu, diga-se de passagem -  que poderia ser como qualquer outra garota, mas, diferentemente de qualquer outra garota, tem um império virtual, duas casas próprias, sei lá quantos livros publicados, aposentadoria vitalícia garantida pros pais que tanto batalharam para criá-la, e etecetera etecetera e esses tipos de histórias sempre nos fazem pensar o bom e velho "Por que não eu?", mas não fazem a gente encarar a verdade do tanto de abnegação envolvidas nesses ditos sucessos.

     E muito fácil ouvir histórias que falam de sucesso calculando somente a quantidade de esforço e suor, mas sem entender a quantidade de sorte e de danos envolvidos. Esse texto não é sobre sorte, mas nesse assunto, temos que admitir duas coisas: 1 - trabalho duro sem uma pitada de "acaso" dificilmente cria esses casos extraordinários que enchem nossos olhos, e 2 - temos que entender que só porque reconhecemos que fulano teve sorte com alguma coisa, ninguém tá falando que fulano não trabalhou duro pra cara*** também. 

     Depois desse simplificado comentário sobre sorte, eu queria falar sobre a coisa que realmente me bateu nesse último mês: danos. Eu nunca vou ser capaz de entrar na cabeça da blogueira e entender exatamente o que ela sente quando diz que perdeu aquela que poderia ter sido a melhor época da vida dela pra chegar onde chegou hoje, pode ser que tenha valido a pena ou pode ser que não, mas independentemente, é exatamente essa parte da história que a gente nem sempre ouve e por isso vivemos tentando basear a "quantia" de sucesso que nos é esperada comparando com a dos outros que tem a mesma idade que a nossa, ou que vieram de mesma situação financeira que a nossa ou quaisquer outros parâmetros do tipo, quando a única experiência sobre a qual eu posso falar é a minha própria. E, sendo assim, minha única conclusão para o estilo de vida e de pensamento que tenho tido é: não tem valido a pena e, pasmem, se continuar assim, não vai valer a pena daqui a um ano ou mesmo daqui a uma década.

     E se há uma coisa certa nesse mundo é que não adianta falar pra mim sobre seu colega que "também passou por isso, também abdicou do sono e da vida social para hoje se tornar um arquiteto bem sucedido, porque arquitetura é assim mesmo..." quando a questão, na verdade, é que a LUANA aqui não é assim mesmo... A questão é que a Luana, desde 2012, esteve à beira de um ataque de nervos pelo menos umas 6 vezes... A questão é que: cada pessoa é dotada de limites - físicos, emocionais e mentais - que são completamente PESSOAIS, e muitas vezes queremos forçá-los em nome da obtenção de uma ideia de sucesso que é extremamente UNIVERSAL, e pra que isso aconteça, a gente romantiza atitudes auto destrutivas, por exemplo competindo pra saber quem passou mais noites sem dormir ou quem se valeu das misturas mais mirabolantes de bebidas e remédios que dão "energia". Quanto mais "véi, passei o final de semana estudando, não parei um segundo", mais orgasmos auditivos.

     O que eu estou querendo dizer não é que o esforço não é uma parte importante da vida, é lógico que é. O que estou querendo dizer é que só recentemente eu tenho começado a entender a diferença entre esforço e sofrimento. Eu sempre soube que para fazer certas coisas ou chegar a certos lugares eu deveria me esforçar, e isso é claro e cristalino, mas nos últimos anos eu tenho sofrido achando que se tratava de esforço e, consequentemente, eu achava que esse sofrimento era necessário, mas não era. E pensando a respeito de tudo isso eu cheguei a algumas conclusões extremamente importantes para mim: 
  1. O que eu achava que queria fazer e onde eu achava que queria chegar tinha 0% a ver com o que eu realmente quero e 100% com o que eu achava que era esperado de mim.
  2. O que é esforço para uma pessoa, pode ultrapassar os meus limites e se tornar sofrimento pra mim, então não existe o menor motivo para eu comparar "as coisas que eu consegui na vida" com as das outras pessoas.
  3. Essa paranoia de me tornar uma pessoa que no futuro possa dizer que “tentou tudo que podia fazer” fez com que minha saúde mental se tornasse um grande pedaço de m*rda.
  4. Essa mesma paranoia se tornou (na real, acho que sempre foi) um escudo e uma desculpa para que eu não lidasse com outras questões renegadas na minha vida, como minha grande dificuldade de socialização. "Desculpa, tenho que terminar projeto" alguém já ouviu essa? Eu juro que não é por mal, nem é mentira, sério mesmo.
  5. Toda vez, repito, TODA VEZ que falo sobre esse assunto com alguém, a pessoa sempre se relaciona em algum nível, seja nas expectativas absurdas, na auto cobrança extrema, ou na negligencia pela saúde mental e pelas relações interpessoais em detrimento do sucesso na vida acadêmica/profissional, e em geral essas pessoas também se sentem infelizes como eu com a forma que estão encarando a vida, e isso não é um prognóstico legal, galera.
  6. Pensar em todas essas coisas e maturá-las em forma de textos, de conversas e de noites sem dormir de modo algum me garantem que eu não vá voltar a esse mesmo modus operandi na minha vida, exatamente porque é algo tão arraigado que eu já não sei bem quais são as outras alternativas. E isso é bem assustador.

      No fim, eu só queria dizer mesmo que não é normal se sentir infeliz, ansioso ou temeroso o tempo todo com a vida que estamos levando, e que não há vergonha nenhuma em admitir esses sentimentos e buscar uma mudança - e talvez com auxílio - por algo mais saudável e que se adapte àqueles que são os nossos quesitos individuais de felicidade, sucesso e realização pessoal.

-Luana Rôla de Sousa

Nenhum comentário:

Postar um comentário